terça-feira, 24 de março de 2009

MORDAÇA:

“(…) - Estou a pensar no aleijado. Que presunção! A quem lhe der ouvidos até há-de parecer que as mulheres andam mesmo atrás dele.

- Não te esqueças, senhor oficial, de que aquele mendigo, por causa das mutilações, representa uma mina de ouro. As mulheres que o cortejam são interesseiras.

- Seja como for! Uma criatura tão hedionda!

- Não há nada que seja hediondo. Este homem-tronco faz amor tão bem como qualquer outro. E até melhor, se bem entendo e a julgar pelo que me foi dado ouvir. Digo-te eu que os gritinhos de volúpia da mulher não eram fingimento. E confesso ser tal coisa bastante animadora.

- A que chamas tu animadora?

- Olha - disse Gohar -, reconforta saber que até um aleijado como aquele pode dar prazer.

- Semelhante monstro?!

- Este monstro tem sobre nós uma vantagem, senhor oficial. Sabe o que é a paz. Não tem nada a perder. Pensa-me só nisto: não há nada que alguém lhe possa tirar.

- Pois tu julgas então que é preciso chegar a esse ponto para uma pessoa ter paz?

- Não sei - respondeu Gohar. - Talvez seja necessário um homem tornar-se homem-tronco para atingir a paz, para a conhecer. Imagina só a impotência do Governo perante um homem-tronco. Que poderá o Governo contra ele?

- Pode enforcá-lo - disse Nur El Dine.

- Enforcar um homem-tronco! Não, de maneira nenhuma. Não há governo nenhum com humor para isso. Seria belo demais. (…)”

Albert Cossery, Mendigos e Altivos

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